No passado dia 05 de junho assinalou-se o dia mundial do ambiente.
No contexto, cabe referir a flagrante contradição entre a propaganda oficial em torno de questões ambientais a respeitar e as opções políticas concretas que vão em sentido oposto como, a nosso ver, é o caso da aprovação, pela Agência Portuguesa do Ambiente da tutela do Ministério do Ambiente e da Ação Climática, da exploração de minas de lítio numa vasta área agrícola e florestal situada em Covas do Barroso, concelho de Boticas, distrito de Vila Real.
Trata-se de um projecto para mineração profunda e a céu aberto a executar pela multinacional “Savannah Resources” uma das maiores empresas mineralíferas do mundo. É todo um projecto envolvido em forte propaganda mas que, em concreto e logo à partida, nos deve colocar de sobreaviso e em oposição quanto ao seu real impacto e às suas mais do que previsíveis más consequências.
De facto, o projeto em causa localiza-se em área classificada como Património Agrícola Mundial, sítio GIAHS (Globally Important Agricultural Heritage System), pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO (Food and Agriculture Organization), abrangendo uma área de concessão de cerca de 600 hectares (ha), essencialmente para a produção de “concentrado de espodumena” (a principal fonte mineral do lítio) e como material secundário quartzo e feldspato, estes para utilização na indústria de cerâmica.
As extrações serão realizadas em 3 grandes “cortas” (escavações no terreno), a céu aberto, prevendo-se, para o efeito, um consumo anual de explosivos extremamente elevado, a rondar os 1.850 t/ano, para o “desmonte” (extracção dos minérios). Isto também implica o desvio de linhas de água, a construção de “lavaria” de minério (unidade de concentração de “espodumena”), bem como a instalação de acessos vários, de múltiplas infraestruturas de drenagem e abastecimento, os desvios de linhas elétricas. Junta-se a instalação de três “escombreiras” permanentes (locais onde se acumulam inertes mexidos durante a mineração) e uma “escombreira” temporária para colocação do “estéril” (inertes e outros resíduos não utilizáveis) retirado das “cortas” a que acresce uma unidade de deposição dos “rejeitados da lavaria” (da lavagem e separação dos inertes extraídos) sem instalação específica de resíduos (Tailings Store Facility _TSF).
O tráfego médio diário vai ser muito intenso, com cerca de 350 veículos a envolver. Tudo isto implicará grandes impactos ao nível do ambiente sonoro, e também vibrações que vão provocar danos nos edifícios a afectarão as várias aldeias e de modo radical a qualidade de vida dos habitantes locais. Para exportação do minério apurado através até aos portos do norte do país, será necessário construir uma nova via o que não foi avaliado na presente AIA, Avaliação de Impacto Ambiental.
AZU chama a atenção que o projeto tem apenas um horizonte de 17 anos, rondando 200 trabalhadores a serem contratados e apenas durante o período de exploração (previsto para apenas 12 anos), pelo que não é significativo o acréscimo de emprego, e será limitado no tempo, enquanto o empreendimento conduzirá a uma alteração permanente e muito significativa da área em causa.
São
mais do que previsíveis as más consequências destas minas!
Em termos de impactes ambientais, embora o Rio Covas não seja directamente afectado (zona de proteção envolvente) sê-lo-á indirectamente pelos “lixiviados” (inertes lavados com água e outros elementos líquidos específicos), estendendo-se as consequências até ao rio Beça, sendo igualmente afectados, em profundidade e extensão, os níveis freáticos e as nascentes de água da zona e também de zonas contíguas.
Ressaltamos os impactos negativos sobre a flora (florestas ripícolas e carvalhais), sobre a fauna (alcateias de lobo-ibérico em toda a região) e bivalves de águas doces. Junta-se ainda o aumento das emissões de gases de efeito de estufa, em especial o dióxido de carbono e que vão ocorrer nas fases de instalação e exploração destas minas a céu aberto.
Ora, apesar das medidas de recuperação previstas para o final do projeto, os efeitos são muito negativos em termos da alteração da paisagem e das ocorrências patrimoniais, dado abranger o território do Sistema Agro-Silvo-Pastoril do Barroso, classificado pela FAO, e com uma elevada sensibilidade patrimonial, com numerosos testemunhos de ocupação humana desde os primórdios, sendo tais consequências decorrentes da alteração do relevo, da rede hidrográfica e da perda de vegetação. Note-se que só na zona de cabeceira das linhas de água, irão ser construídas 6 barragens para retenção de água o que, por si só, já dá uma ideia da alteração estrutural sobre os solos, as coberturas vegetais e as linhas de água.
Do ponto de vista sócio-económico tais modificações implicarão uma perda acentuada no turismo, enquanto as atividades dos habitantes residentes serão drasticamente alteradas pela afectação direta das áreas de lameiros e de pastagens de montanha, bem como dos povoamentos florestais comunitários geridos ou com gestão delegada pelos compartes dos baldios, o que, incontornavelmente trará repercussões negativas na economia regional, globalmente considerada.
AZU reconhece que o lítio ainda é um mineral importante para a transição energética e para o cumprimento das metas da “neutralidade carbónica” (redução e reequilíbrio das emissões de dióxido de carbono) definidas no Roteiro para a Neutralidade Carbónica até 2050.
Todavia, os impactos negativos gerados, a criação apenas temporária de algum emprego e a devastação, com tendência para se perpectuar, deste território de grande valor sócio-económico e ecológico, não justificam este empreendimento. Note-se que a “Consulta Pública” específica foi muito participada, com cerca e um milhar de exposições, e tal como é reconhecido pela Comissão de Avaliação, com a esmagadora maioria contrária ao projeto, reconhecendo esta Comissão a possível desclassificação da região por parte da FAO com substanciais perdas económicas para a população local. Aliás, a ADRAT (Associação para o Desenvolvimento da Região do Alto Tâmega) emitiu, no âmbito desta AIA, Avaliação de Impacto Ambiental, “um vigoroso parecer específico negativo”.
Decorrente do exposto, a AZU, Associação Ambientalista, reitera a sua oposição a todo o processo e, em particular, sobre esta decisão oficial muito problemática em, para já, ser aprovada – por APA, Agência Portuguesa do Ambiente – Ministério do Ambiente - esta mineração de lítio em Covas do Barroso. E, desde já, AZU manifesta as maiores reservas quanto à aprovação de outras grandes minas a céu aberto, noutras regiões do nosso país. Isto apesar das “garantias” e “contrapartidas” alegadamente asseguradas pois o sistema vigente, e outras experiências congéneres já transcorridas, recomendam vivamente que não se caia nesse engodo e se enverede por um tal nível de confiança ou sossego.
A luta
deve continuar!
AZU manifesta-se solidária com a vontade activamente expressada pela população e por entidades várias que se têm manifestado contra a muito previsível devastação ambiental inerente ao projeto de extração e tratamento do lítio nesta zona tão frágil e de elevado valor em termos de património natural e cultural.
AZU exorta as populações, as várias entidades interessadas e os movimentos específicos que se opõem à exploração deste tipo de minas no sentido de procurarem convergir em defesa dos direitos e da vontade das populações e do interesse regional e nacional.
Sim, que estas minas ainda não foram abertas e esburacadas debaixo dos nossos pés, como chagas profundas a “crucificar” a Natureza!
Sim, a luta deve continuar!
5 de Junho de 2023
A Direcção da AZU